domingo, 22 de novembro de 2009

A antropologia forense dá passos em diferentes áreas de investigação


A antropologia forense dá passos em diferentes áreas de investigação, embora seja uma ciência recente. A estrutura óssea e a dentária podem fornecer elementos nos domínios mais variados, desde a simples identificação do sexo à etnia, muito úteis em cenários de catástrofe e atentados.
Identidade
O crânio, a região pélvica e o tórax permitem estabelecer é o sexo do cadáver. A altura é identificada pela medição de alguns ossos, como o fémur.
Etnia
Podem determinar-se características populacionais através do ângulo facial, forma do crânio, índices cefálicos e índices radioumerais.
Causa de morte
A causa da morte só pode ser estudada em situações que deixem marcas como fracturas, ferimentos por armas de fogo ou intoxicações crónicas.
Catástrofes
Em desastres naturais, como um terramoto ou um tsunami, por vezes, a forma mais eficaz de reconhecimento é feita pela identidade óssea e dentária.
Identificação em atentados, incêndios. As equipas de antropologia forense foram fundamentais na identificação das vítimas do 11 de Setembro.
Pedofilia
Estudo morfométrico da cara permite reconhecer crianças e adolescentes a partir de imagens de redes pedófilas. E prever o seu envelhecimento.



http://dn.sapo.pt/inicio/ciencia/interior.aspx?content_id=1426463

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Homossexualidade e formas de vida da sua nomeação

Certamente que a via ou o método que escolhermos para, para abordar, tanto a questão da homossexualidade, como a das formas de vida socialmente aceitáveis dos homossexuais e a da sua nomeação, condicionará o juízo ou a conclusão a que se quer chegar. Os católicos e a Igreja sempre têm, na sua matriz cultural e na sua tradição doutrinária, como referência, principal e principial a via filosófico-teológica. A história, longa de muitos séculos, tem confirmado a pertinência desta forma de abordagem, determinante mas não excluente, e capaz de integrar várias outras aportações, nomeadamente as das ciências humanas.
A abordagem filosófico-teológica é, aqui e sempre, a de uma filosofia que se deixa iluminar pela teologia e a de uma teologia que se abre aos desafios e às mediações da filosofia.  Se alguém quiser, por aproximação, saborear a beleza e as implicações desta forma de abordagem, pode, por exemplo, ler e meditar, com proveito, a Evangelho da Vida, de João Paulo II.
A personalização da existência dos humanos tem a sua raiz na disponibilidade ontológica com que fomos agraciados pela doação da vida, a exigir e a suportar a nossa abertura e a nossa relacionalidade, a nossa identidade e a nossa diferença. Quando os humanos se fecham a esta dimensão incontornável da sua humanidade, tornam-se desumanos, porque iludem e escondem a sua marca de transcendências, substituindo-a pela soberba e pela idolatria de si mesmos, numa perda de sentido que lhes rouba dignidade e altura espiritual. A palavra com que, no étimo latino, se diz a pessoa e o personalizar – per+sonare – já indicia esta excelência do superlativo da per-feição (como, por exemplo, no per-doar, no per-durar e em tantas outras nomeações).
Por isso e desde este ponto de vista, algumas formas de vida têm de ser consideradas como mais personalizantes e mais humanizantes, enquanto outras, pelo contrário, podem e devem mesmo chegar a ser consideradas como despersonalizantes e desumanizantes.
Alguma da nossa incultura dominante pretende começar por logo subverter a nossa forma de olhar a realidade, tornando-nos o modelo quase acabado do homo cyberneticus, aquele que apenas reage a estímulos e a estimulações e se orna incapaz de ver para além da superfície das aparências, desde logo na forma de sentir a corporalidade do seu corpo. O que então se acaba por perder é evidentemente a própria realidade na sua fundura ontológica, substituindo-a, p. ex., por “paradas” e por campanhas, subvertendo de caminho a nossa capacidade de nomear e de respeitar a palavra e as palavras.
A palavra e as palavras deixam então de ser parábolas (evangélicas e evangelizadoras) da realidade e ficam apenas reduzidas a catálogo de classificação de estímulos mais ou menos instintivos, mesmo se a soberba dos legisladores lhes vier a dar a (fraca) “força” de uma lei…
A natureza e a sua lei – essa sim, natural e humanamente eco-lógica – põe-nos diante dos olhos e logo à frente do nariz a diferença de género e como são os humanos sobre a terra: homens e mulheres, masculinos e femininos. Tanto a sabedoria das culturas, como a ciência, têm sabido discernir e assumir as formas aceitáveis e os níveis a que se possa, responsavelmente e no tempo longo, compatibilizar igualdade e diferença de género. A diversidade de formas de vida deve respeitar a vida na diversidade da sua riqueza, sob a condição de a não ofender, tanto na sua nomeação como na sua essência.
  Aqui a sexualidade e o amor são ontologicamente e eticamente incontornáveis e mutuamente se condicionam na força da sua expressividade. O respeito pela sua natureza não se pode reduzir a uma questão de excitação de hormonas, nem é redutível ao redutor dualismo homofobia-homofilia, de sabor quase gnóstico e perigosamente platonizante. A tentativa de perverter, casuisticamente e publicitariamente, o sentido e o senso (comum) das palavras ou da nomeação dos nomes, em nada altera a sua vinculação a realidades que têm a seu favor a força da lógica da vida (biologia, fisiologia e outras) e a sua manifestação (aparição e aparência) na natureza dos humanos, onde a sexualidade está presente em todas as dimensões da existência, nomeadamente, p. ex., sob a forma do carinho (da encarnação da carne e das palavras que a tentam dizer) e muito para além da genitalidade somática.
A homossexualidade significa perda de possibilidades da personalização, Ainda mais grave se afecta aqueles que, pela pouca idade, estão em processo de formação e de personalização e ainda sem referenciais de abertura a horizontes de experiência. Este empobrecimento ontológico remete para um perigoso embotamento e empobrecimento éticos.
Nos papéis – envergonhados e quase desfeitos pela chuva – pendurados na publicidade anónima das paredes na baixa de Lisboa, chegavam ao ponto de pretender pressionar e condicionar até a própria ciência, ao exigirem o que chamavam a despatologização da homossexualidade. Alguma imprensa já chamou a esta questão, fracturante do bom senso comum, mania ou moda e outras nomeações bem menos simpáticas…
  Uma antropologia filosofante – que é muito mais do que a soma de andrologias e de ginecologias e lhes é anterior e posterior— não pode esquecer a ontologia e a ética e torna-se caminho capaz de ajudar a encontrar mais e melhor sentido, nas manifestações da existência dos humanos, e a superar dificuldades. A atenção aos fenómenos mais significantes do nosso existir – a alegria, o desejo, a vergonha, o respeito, o nascer e morrer, o amar e muitos outros – ensinar-nos-á que, até as aparências, podem e devem deixar de nos iludir, se chegarmos à sua densidade ética e ontológica.
Se desafiarmos esta antropologia filosófica com a sabedoria e a riqueza de uma antropologia teológica – bíblica e de sapiência eclesial – e os horizontes de interpretação que abre e oferece, então a caminhada existencial, pessoal e personalizante, cultural e historial íntima e socializável, ficará mais bela e mais facilitada.
A liberdade, um bem tão ontologicamente precioso e felizmente tão querido no nosso tempo e à nossa linguagem, tão estruturante da personalização da nossa personalidade, será então, de verdade, uma realidade libertadora…
Joaquim Cardozo Duarte

http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?&id=76177

domingo, 8 de novembro de 2009

Lévi-Strauss

7 de novembro de 2009


O século de Lévi-Strauss

Pensador francês morto aos cem anos nos ofereceu um modo de entender o humano como sistema de relação

Ele criou uma teoria inovadora sobre os fundamentos do social; postulou que é possível esboçar a complexidade dos mitos ou dos sistemas de parentesco em poucas equações; propôs que um pensamento sofisticado pode se erigir não apenas sobre conceitos abstratos, mas também sobre categorias do sensível – aliás, ele mesmo o demonstrou numa obra de mais de 3 mil páginas, Mitológicas, que mudou para sempre o modo de entender as culturas indígenas das Américas.

Inspirou-se nas analogias entre mitos e música, ou entre as simetrias da natureza e as das criações humanas. Sem recorrer a sentimentalismos ou transcendências – ele era um homem de ciência –, desafiou ideias convencionais sobre a superioridade da civilização ocidental. Sem pregá-la de um modo explícito, sugeriu uma ética não humanista, fincada na diversidade e na distância (que os ecologistas de todo signo deveriam examinar). Foi criticado como formalista frio, mas também como autor demasiado engenhoso: suas ideias mais sérias podiam, às vezes, ter certo ar de charada.

Claude Lévi-Strauss, que morreu em Paris no último dia 31 de outubro, um mês antes de cumprir os 101 anos, costumava dizer nas entrevistas que ele não mais pertencia ao mundo dos vivos, senão a um século findo, e que se sentia feliz de não ter que adentrar muito no atual, num mundo demasiado obeso, onde a humanidade e o lixo que ela produz proliferam sem pejo, a custa de tudo o mais. E, no entanto, suas ideias têm ainda uma longa vida pela frente. Lévi-Strauss teve uma legião de discípulos, mas não criou escola, no sentido estrito de uma facção acadêmica armada de uma ortodoxia. Historiadores ou filósofos foram muitas vezes mais sensíveis às suas mensagens que os seus colegas de profissão. Suas ideias pairam sobre a cultura ocidental do último meio século, não raro semeadas pelos mesmos críticos que tentavam refutá-las: muito do seu estruturalismo tem sobrevivido aos pós-estruturalistas.

“Redescoberto” em vida nos últimos 20 anos, Lévi-Strauss manifestava, digamos, uma dupla personalidade: de um lado, era um intelectual consagrado cujas obras forneciam o cânone para temas como o racismo e o conceito de progresso (o seu texto Raça e História, procedente de uma conferência encomendada pela Unesco nos anos 1950), a universalidade da razão humana (discutida em O pensamento selvagem, o livro de antropologia mais citado fora dos estreitos limites da disciplina) ou o tabu do incesto (ponto de partida de As estruturas elementares do parentesco). De outro lado, ele inspirava inovações radicais nas ciências humanas: se muitos críticos o catalogaram como formalista foi porque provavelmente não chegaram a ler, ou a entender, o conceito de estrutura lévi-straussiano, que não é um esqueleto ou uma armação, mas um conjunto de transformações.

Contra as essências e as identidades, contra a cultura entendida como padrão fixo, Lévi-Strauss ofereceu um modo de entender o humano como contínua variação, como sistema de relações. Em lugar de aceitar os grandes relatos da História ocidental, com suas mensagens edificantes de progresso ou emancipação, ele sugeriu que a história é feita de modos diferentes de perceber a história: como repetição e adaptação de modelos eternos – é o que preferem as sociedades primitivas ou arcaicas, que gostam de ver como velhas conhecidas mesmo as novidades mais ab-ruptas – ou como uma mudança contínua e acelerada, como gosta de acreditar a nossa civilização, que a cada passo declara encontrar coisas nunca antes vistas no mundo. Outros sugeriram que o mito era a história dos primitivos; ele preferiu indicar que a história servia muito bem de mito aos modernos.

Por sua parte, Lévi-Strauss não quis fazer da ciência outro mito semelhante. Se alguma vez projetou submeter a antropologia a uma linguagem matemática, o resultado foi, paradoxalmente, uma modéstia que nem sempre se encontra nas ciências humanas: ao lado dessas poucas fórmulas e equações, o que destaca é o infinito do mundo que os humanos deverão viver sem que nenhum saber supremo o leve da mão. Talvez seja essa a garantia de atualidade de sua obra: em lugar de certezas codificadas, ela oferece um exemplo de imaginação teórica que sempre encontrará novos objetos na experiência.

Nascido em 1908 de pais judeus, Lévi-Strauss esteve no Brasil nos anos 1930, como membro da missão francesa que contribuiu aos inícios da Universidade de São Paulo. Sua estada não deixou rastro na cultura brasileira – ele era um jovem professor, cujos interesses, de resto, eram pouco acordes com as diretrizes daquela USP inicial –, mas foi para ele uma experiência fundamental: no Brasil, ele realizou a longa viagem de pesquisa (narrada por ele depois em Tristes Trópicos) onde pôde conhecer grupos indígenas como os Kaingang, os Bororo, os Kadiweu e os Nhambiquara.

Pesquisas breves, mas ricas em intuições e que esboçariam as linhas iniciais de 60 anos de trabalho de gabinete, e de centenas de publicações. Essa experiência, ao torná-lo um dos poucos especialistas em etnologia sul-americana da época, lhe garantiu também o exílio em Nova York durante a 2ª Guerra, salvando-o dos campos de concentração. Em Nova York, entrou em contato com as vanguardas científicas europeias e com a imensa obra da antropologia norte-americana de então: ele tornou-se, assim, o primeiro antropólogo verdadeiramente cosmopolita, recolhendo na sua reflexão heranças intelectuais muito diversas, e uma abertura exemplar às outras ciências. Voltando à França, em 1948, aquele homem, oriundo de uma família de artistas e com poucas perspectivas de fazer uma grande carreira acadêmica, chegou, ao cabo de 20 anos, a um lugar culminante da ciência e da cultura francesas: membro da Academia Francesa, professor do Collège de France e fundador do Laboratório de Antropologia desta instituição.

O Brasil só se tornou a segunda pátria de suas ideias já nos anos 1970, e, desde então, seu traço é visível na renovação da etnologia e na criação de uma historiografia dedicada aos temas indígenas. Sobretudo, foi ele quem melhor mostrou que os índios – os representantes por excelência desse mundo de outros que constituem a diversidade brasileira –, muito mais que um problema, um signo do passado ou um objeto da assistência social, são uma fonte de reflexão, uma experiência histórica valiosa e insubstituível. Num último lance de humor, Lévi-Strauss nos obriga agora a celebrar, quase sem solução de continuidade, o centenário e a conclusão de uma trajetória excepcionalmente longa e rica.

* Professor do Departamento de Antropologia da UFSC

http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&sour
8 de novembro de 2009 | N° 8617Alerta

Eles agem no calor do momento. Elas, de caso pensado

A antropologia trata a questão como cultural. A psicologia, no entanto, dirige o olhar para os aspectos físicos e biológicos que distinguem os gêneros




Às seis da tarde do dia 30 de dezembro de 1976, em Búzios, morria Ângela Diniz. Os quatro tiros disparados pelo companheiro Doca Street tiveram uma justificativa: ciúmes. A atitude impulsiva rendeu a Doca Street uma absolvição sob alegação de que agiu em defesa da honra. Um dos crimes passionais de maior repercussão do país, a reação popular fez com que o julgamento fosse cancelado e, na segunda ocasião, Doca acabasse condenado.

Doca agiu, à época, como 70% dos homens que participaram da pesquisa de Galicia: no calor da emoção.

A antropóloga Rozeli Porto compara o comportamento masculino ao oposto do feminino:

– A mulher, quando quer matar, espera o homem dormir, ou seja, premedita.


Um caso clássico dessa premeditação ocorreu em 1994, nos Estados Unidos. A equatoriana Lorena Bobbit, cansada das traições do marido, esperou que ele dormisse e, com uma faca de cozinha, cortou quase metade do pênis dele.

A antropóloga trata essa característica como cultural. O que corrobora pesquisas feitas na década de 1930 pela antropóloga americana Margaret Mead. Seus trabalhos demonstraram que as reações podem ser diferentes em outras culturas. A psicologia, contudo, dirige o olhar para os aspectos físicos e biológicos que diferenciam os sexos.

– Homens e mulheres processam de maneira diferente as emoções, e esta diferença não necessariamente seria produto da influência cultural ou social dos gêneros – avalia o psicólogo Oscar Galicia, em entrevista por e-mail, concedida do México.

Galicia fala da possibilidade de influência genética, que poderia interferir no funcionamento cerebral e na descarga hormonal.

– Podemos imaginar o agressor reativo como um indivíduo temperamental, com pouco controle e com baixa tolerância à frustração. Por outro lado, o agressor proativo se apresenta como uma pessoa com maior controle sobre suas emoções, com capacidade de planejamento e de antecipar os benefícios de sua conduta – explica o pesquisador, ao dizer que 90% das mulheres submetidas ao estudo revelaram-se proativas.

Fato é que, na prática, a conduta agressiva está no âmago de homens e mulheres. Ambos alcançam seus objetivos, mas cada um com suas artimanhas.

http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&sour

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Claude Lévi-Strauss: o pai da Antropologia moderna

 
Claude Lévi-Strauss: o pai da Antropologia moderna
PARIS, França — Claude Lévi-Strauss foi o fundador da antropologia moderna e pioneiro do estruturalismo, em trabalhos que se tornaram verdadeiros clássicos.
Filósofo de formação, percorreu o mundo para compreendê-lo melhor e estudar seus mitos, trabalhando pela reabilitação do pensamento primitivo, às vezes com um olhar moralista.
"Entre Filosofia e Ciência (...), sua obra é indissociável de uma reflexão sobre nossa sociedade e seu funcionamento. Tem um enfoque ecológico do mundo e dos indivíduos", escreve seu biógrafo, Denis Bertholet.
Em suas mais de 30 obras, entre elas a célebre "Tristes trópicos", Claude Lévi-Strauss propôs uma nova abordagem dos mecanismos socioculturais, aplicando a análise estrutural às Ciências Humanas.
Lévi-Strauss nasceu em Bruxelas, em 28 de novembro de 1908, de pais judeus franceses. Em sua juventude, militou na SFIO (Seção Francesa da Internacional Operária). Em 1931, obteve o título de catedrático de filosofia.
Nomeado professor na recém-formada Universidade de São Paulo (USP), se transferiu em 1935 para Brasília, onde dirigiu várias missões etnológicas no Mato Grosso e na Amazônia.
Partindo dos indígenas Bororo, Nambikwara e Tupi Kawahib do Brasil, Lévi-Strauss começou sua gigantesca pesquisa sobre a mitologia dos indígenas do continente, subindo de sul a norte, até chegar à Colúmbia britânica.
Contou essa experiência em sua autobiografia intelectual, "Tristes Trópicos" (1955), um dos mais importantes livros do século XX.
"Sempre fui um americanista por causa da impressão indelével provocada em mim pelo Novo Mundo, ao que se acrescenta seu ambiente, que dura ainda, causado por meu contato com uma natureza virgem e (...) Creio que nenhum outro continente precisa de tanta imaginação para ser estudado", afirmou.
De volta à França, foi mobilizado em 1939 para combater na Segunda Guerra Mundial. Mas no ano seguinte foi liberado devido a sua origem judaica. Se refugiou então nos Estados Unidos e ensinou em Nova York. Após a guerra, em 1946, foi nomeado conselheiro cultural da embaixada da França.
Em 1949, obteve o cargo de vice-diretor do Museu do Homem de Paris.
A partir de 1950 ocupou a cátedra de Religiões comparadas dos povos sem escrita da Escola de Altos Estudos de Paris e, em 1959, a de Antropologia Social do Colégio da França.
Foi o primeiro etnólogo eleito membro da Academia Francesa, em 1973.
Entre suas principais obras estão "Estruturas elementares do parentesco" (1949), "Antropologia estrutural" (1958), "Pensamento selvagem" (1962), os quatro tomos da série "Mitológicas" (publicados entre 1964 e 1971) e, como já citado, "Tristes trópicos".
Em "O pensamiento selvagem", editado em 1962, demonstra que não há uma verdadeira diferença entre o pensamento primitivo e o nosso. "Não se trata do pensamento dos selvagens e sim do pensamento selvagem. É uma forma que é atributo de toda a humanidade e que podemos encontrar em nós mesmos, mas preferimos, no geral, buscá-la nas sociedades exóticas", explicou.
É também autor de "Mitológicas", obra da qual o primeiro de seus quatro volumes ("O cru e o cozido") ilustra a oposição entre a natureza e a cultura. Lévi-Strauss sondou profundamente as relações entre cozinha e cultura.
Claude Lévi-Strauss morreu em Paris, onde morava num prédio discreto.
No ano passado, quando completou 100 anos, foi homenageado com uma dia dedicado a sua obra no Museu do Quai Branly, uma exposição na Biblioteca Nacional e a reedição de inúmeros de seus livros.
Pouco preocupado com a posteridade, não escreveu suas memórias, mas se abriu com Didier Eribon em um livro intitulado "De perto e de longe".
"Cada um de seus livros é um manual de pensamento que força a inteligência a abrir-se, e uma espécie de evangelho laico que ajuda a comover-se ante a vida", escreveu sua amiga e especialista em sua obra, a filósofa Catherine Clément.
Em uma das poucas entrevistas que deu nos últimos anos, em 2005, depois de evocar sua "dívida" para com o Brasil, afirmou: "vamos para uma civilização em escala mundial, na qual, provavelmente, aparecerão diferenças, pelo menos é preciso esperar. Estamos num mundo ao qual já não pertenço. O que eu conheci, o que eu amei, tinha 1,5 bilhão de habitantes. O mundo atual tem 6 bilhões de humanos. Já não é mais o meu mundo".
Casado pela terceira vez em 1954, Lévi-Strauss tinha dois filhos.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

ANTROPOLOGIA E PSICANÁLISE

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Antropologia (do grego άνθρωπος, transl. anthropos, "homem", e λόγος, logos, "razão"/"pensamento") é a ciência preocupada em estudar o homem enquanto espécie primata e a humanidade ou seja seus símbolos e produtos culturais. Uma ciência conquistou seu lugar evoluindo de relatos de vivências e descrições de costumes feitas por viajantes afirmando a necessidade da pesquisa de campo e aprofundamento do conjunto de descrições etnográficas (corpus etnograficos) de todos os povos do mundo que vinham se acumulando (Laplatine) [1]. Distinguindo-se da sociologia e da economia política as denominadas ciências humanas e mesmo da psicologia social enquanto ciência dos costumes e estilos de vida. A antropologia dialoga com essas ciências afirmando seus próprios métodos e referencial teórico de diversas procedências, onde se inclui a via de mão dupla tanto desta para a antropologia como da antropologia para psicanálise.


A psicanálise, por sua vez pode ser descrita como um procedimento especializado de psicoterapia, uma teoria da personalidade e uma teoria da cultura ou filosofia sobre a natureza humana. Segundo Freud a psicanálise cresceu num campo muitíssimo restrito. No início, tinha apenas um único objetivo — o de compreender algo da natureza daquilo que era conhecido como doenças nervosas ‘funcionais’, com vistas a superar a impotência que até então caracterizara seu tratamento médico e possuía desde o início a expectativa de participar do desenvolvimento cultural como um fermento significativo auxiliar ao aprofundamento de nosso conhecimento do mundo.

Antropologia e psicologia

Tradicionalmente na antropologia divide-se em antropologia cultural e antropologia biológica, cada uma destas com suas contribuições específicas para o estudo da mente e comportamento humano. Em seu processo de construção abrigou diversas correntes de pensamento onde as contribuições da psicanálise são relevantes. Na antropologia cultural há de se considerar as aplicações da antropologia às emoções, saúde e à psicologia onde teoricamente, mas não sem conflitos, a psicanálise se insere. Nessa última um ramo inquestionavelmente associado à psicanálise possui uma interface interdisciplinar com o segmento da antropologia que estuda a interação de processos culturais e mentais ou cognitivos e uma área também comum à psicologia do desenvolvimento, que também analisa a forma como se realiza a socialização dentro de um determinado grupo cultural. Essa interdiscplinariedade nos permite compreender melhor como a cultura modela a cognição humana, a percepção, ou a emoção, sexualidade, motivação e saúde mental.
Para Marcel Mauss, (1872-1950), praticamente o fundador da etnologia francesa, tanto a questão da independência relativa entre fatos de diversas ordens biológicas e psicológicas e fatos sociais como a relação entre os fatos psíquicos e fatos materiais da sociedade devem ser investigados. Para esse autor os fenômenos psicológicos atuam como engrenagens (ainda não dimensionadas) entre o aparelho biológico / fisiológico e a ordem social. Entre as contribuições da sociologia que se distingue da psicologia coletiva por delimitar a morfologia (demográfica, estatística e histórica) do social em vez de lidar com abstração da coletividade, ou seja, da consciência (inspiração inconsciente) do grupo sem o seu substrato material e concreto.
Entre as principais contribuições das ciências sociais à psicologia segundo esse autor está a contextualização dos símbolos míticos e morais, um caminho já trilhado por Wilhelm Wundt (1832-1920) em sua Volkerpsychologie e pelo próprio Sigmund Freud (1856 – 1939) em ‘Totem e tabu’ como veremos em seguida, apesar das ressalvas contra esse último pela aproximação dos ritos e crenças à psicose. A noção de psicose, segundo ele importante contribuição da psicologia às ciências sociais esclarece alguns fenômenos coletivos como alucinações e sonhos coletivos associados ao fanatismo, vendeta em grupo, mitomania, loucura judiciária, alucinações do culto funerário etc. Destaca ainda como contribuições da psicologia às ciências sociais as noções de astenia e vigor mental, atividade simbólica e a noção de instinto [3]

Contribuições da psicanálise

Apesar de alguns autores como Alexander e Selesnick [4] situarem a psicanálise na perspectiva de desenvolvimento da história da psiquiatria a maioria dos historiadores da psicologia situam esta no início da evolução da psicologia clínica. Goodwin [5], Hothersall [6]
Esta escola é baseada na idéias de Sigmund Freud e outros psicanalistas acerca dos fenômenos sociais e culturais. Os adeptos dessa abordagem freqüentemente utilizam técnicas que exploram a relação entre a infância e a personalidade adulta – é clássica a comparação entre os ditos selvagens e primitivos, os neuróticos, psicóticos e as crianças utilizando (no caso de Freud) os relatos etnográficos da época especialmente de James Frazer (1854 -1941), Edward B. Tylor (1832 —1917) e William R. Smith (1846 – 1894) entre outros. A partir dos trabalhos propostos por Freud os psicanalistas estudam a influência e origem dos símbolos culturais (incluindo mitos, sonhos e rituais) comprando-os com os resultados da aplicação da técnica psicanalítica.
Entre os trabalhos de Freud selecionados pelo editor das edições standard de suas obras completas, James Strachey, cerca de 27 ensaios e/ou livros escritos entre 1907 e 1940, pode-se destacar:


• 1907 – Atos obsessivos e práticas religiosas.
• 1908 – Ética sexual civilizada e as modernas doenças nervosas.
• 1912 – Totem e tabu, alguns pontos de concordância entre a vida mental dos selvagens e dos neuróticos
• 1913 – A ocorrência nos sonhos de material proveniente dos contos de fadas.
• 1916 – Um paralelo mitológico a uma obsessão visual.
• 1918 – O tabu da virgindade
• 1921 – Psicologia de grupo e análise do ego.
• 1927 – O futuro de uma ilusão
• 1930 – O mal estar da civilização.
• 1932 – A aquisição e o controle do fogo
• 1938 – Uma nota sobre o anti-semitismo
• 1939 – Moisés e o monoteísmo

Entre outros psicanalistas que podem ser considerados parte desta escola estão:
Géza Roheim (1891 –1953), primeiro psicanalista com específicos trabalhos sobre psicanálise e antropologia (A origem e função da cultura (1945) e Psicanálise e antropologia (1953)) De acordo com Souza [7] é na sua obra «Psychoanalysis and Anthropology» (1953) que Róheim desenvolve a sua noção de cultura, trabalhada na sua diferença quer contra a noção filogenética de cultura proposta por Freud em «Totem e Tabu», quer contra a noção de cultura proposta pela antropologia culturalista. Em termos simples, podemos dizer que, para Róheim, a cultura humana é a conseqüência da infância prolongada da espécie humana, e que as áreas culturais decorrem da situação infantil típica que reina em cada uma das culturas humanas.
Erich Fromm (1900 —1980) que destacou-se na área pela proposição dos estudos de personalidade como resultado de fatores culturais e biológicos e aproximação com Marxismo possuindo diversos trabalhos sobre o cristianismo, religiões orientais (onde se inclui o célebre Zen Budismo e psicanálise em parceria com D.T. Suzuki and Richard de Martino) posteriormente integrante da Escola de Frankfurt com importantes trabalhos na área de psicologia social onde se situam os de Herbert Marcuse, (1898 —1979)
Erik Erikson (1902 —1994), assim como Róheim psicanalista do círculo de influência Melanie Klein (1882 — 1960). Pode ser considerado integrante da tendência culturalista da psicanálise americana. Possui alguns trabalhos sobre a influência da cultura especialmente a identidade e relações entre a infância e sociedade, tema título de seu livro publicado 1950, após período em que conviveu na reserva dos índios Sioux na década de 1930. Tal como Fromm relaciona a psicanálise com a história, política, filosofia e teologia publicando livros sobre Martinho Lutero, Gandhi e Hitler, contextualizado culturalmente suas biografias.
Dissidentes da psicanálise Carl Gustav Jung (1875 - 1961) apesar de formalmente reconhecidos como tal, não podem deixar de ser considerados. O próprio Freud reconhece que seu primeiro estímulo para escrever os ensaios reunidos como Totem e tabu (1912), talvez sua principal contribuição à antropologia, vieram de Wundt e Jung. Entre os trabalhos relevantes de Jung para antropologia encontram-se seus estudos sobre a religião ocidental - oriental, a parceria com o sinólogo Richard Wilhelm (1873-1930) e teoria dos símbolos e inconsciente coletivo, criticado mas tomados com referência no trabalho de Claude Lévi-Strauss (1908) sobre o significado dos mitos
Pelo fato de muitos cientistas sociais americanos e europeus durante os dois primeiros terços do século 20 possuir certa familiaridade com a teoria psicanalítica, fica difícil determinar com precisão quais devem ser considerados exemplos de antropólogos psicanalistas entre estes os integrantes dos estudos sobre as teorias da personalidade e cultura a exemplo de Clyde Kluckhohn (1905, - 1960), Geoffrey Gorer (1905-1985). Este último inclusive utilizou técnicas de entrevista baseada em entrevista clínica e testes projetivos, como o TAT (Thematic Apperception Test) or e do Rorschach em seus estudos etnográficos.
Destaque especial deve ser dado aos praticantes que se voltaram à pesquisa entre doença mental e cultura (cross-cultural) como Georges Devereux (1908 - 1985) considerado da etnopsiquiatria e etnopsicanálise juntamente com Geza Róheim [8] e Gananath Obeyesekere professor da Universidade de Princeton e do Sri Lanka (sua terra natal) conhecido por seus trabalhos sobre Depressão Budismo e Psicanálise onde considera a via de mão dupla dos povos estudados e teorias científicas. [9]
Perspectivas antropológicas
Ainda sobre a relação entre a vida mental dos selvagens e dos neuróticos é o referido antropólogo Levi-Strauss [10] que nos propõe que a comparação entre a psicanálise e a cura xamânica facilita o entendimento dessa última e considera a possibilidade do estudo do xamanismo, inversamente, vir a ser utilizado para elucidar pontos obscuros da teoria de Freud em especial as noções de mito e inconsciente.
A teoria da cultura como um conjunto de sistemas simbólicos, à frente dos quais situa-se a linguagem e as regras matrimoniais decerto permite uma aproximação desta com a teoria psicanalítica. Contudo ainda segundo esse autor [11] a psicanálise a análise estrutural divergem em um ponto essencial. Ao longo de toda sua obra Freud oscila sem chegar a escolher – entre uma concepção realista e uma concepção relativista do símbolo. Para a primeira cada símbolo teria uma significação única. Poderiam listar-se todas as significações num dicionário, que como Freud sugere não seria muito diferente de uma “chave dos sonhos” menos no tamanho. A outra concepção admite que a significação de um símbolo varia em cada caso particular e recorre às associações livres para a fixar. De forma ainda ingênua e rudimentar, ele reconhece, portanto, que o símbolo tira sua significação do contexto, da sua relação com outros símbolos, que por sua vez só adquirem sentido relativamente a ele. esta segunda via pode ser fecunda, desde que a técnica simplista das associações livres ocupe o lugar que lhe compete num esforço global que visa reconstituir a história pessoal de cada sujeito, a do seu meio familiar e social, a sua cultura.... Procuraria assim compreender-se um indivíduo do modo como o etnógrafo procura compreender uma sociedade....
E o grande enigma permanece sendo o símbolo. Jung [12] nos chama atenção que o uso consciente que fazemos do símbolo é apenas um aspecto de um fato psicológico de grande importância: o homem também produz símbolos, inconsciente e espontaneamente, na forma de sonhos e que há um limite de evidências e de convicções que o conhecimento consciente não pode transpor. Essa é a característica universal onde a psicanálise tenta se situar como um mito moderno a unidade comum a todas as culturas que Jung designa como inconsciente coletivo e que tenta atingir segundo Lévi-Strauss [13] depressa demais ignorando os aspectos morfológicos, estatísticos e históricos dos grupos que elaboram os sistemas culturais no dizer de Mauss (o.c.)
Ainda na perspectiva das contribuições que a antropologia pode trazer à psicanálise situam-se as questões de caracterizar o próprio saber e fazer da psicanálise, a relação de Freud com a cultura e sabedoria alemã, em especial com a Viena de sua época [14] além do que já foi mais amplamente discutido, sua relação com a cultura judaica. Sobre essa última questão vale citar a observação feita pelo próprio Freud [15] no prefácio de Totem e tabu para língua hebraica... um livro que trata da origem da religião e da moralidade, embora não adote um ponto de vista judaico e não faça exceções em favor do povo judeu. O autor espera, contudo, estar de acordo com seus leitores na convicção de que a ciência sem preconceitos não pode permanecer estranha ao espírito do novo judaísmo que algum dia, sem dúvida, se tornará acessível ao espírito científico.
Referências
1. ↑ Laplatine. Aprender antropologia. SP, Brasiliense, 2007
2. ↑ Freud, Sigmund. Uma breve descrição da psicanálise (1924 [1923]). Ed Standard das obras completas v. XIX , RJ Imago
3. ↑ Mauss, M. Relações reais e práticas entre a psicologia e a sociologia (1924) in: Soc. e antropologia. SP, Cosac Naify, 2003
4. ↑ Alexander, Franz G.; Selesnick, Sheldon T. História da psiquiatria. SP, IBRASA, 1980
5. ↑ Goodwin, C.James. História da psicologia moderna. SP, Cultrix, 2005
6. ↑ Hothersall, David. História da Psicologia. SP, McGraw-Hill, 2006
7. ↑ Sousa, J Francisco Saraiva. Antropologia e psicanálise
8. ↑ Laplantine, François. Aprender etnopsiquiatria. SP, Brasiliense, 1998
9. ↑ Obeyesekere, Gananath. "Buddhism, Depression and the Work of Culture in Sri Lanka." Culture and Depression. Ed. Arthur Kleinman and Byron Good. Berkeley, Calif.: University of California Press, 1985.
10. ↑ Levi-Strauss, Claude. A eficácia simbólica (1949) in: Antropologia estrutural. SP Cosac Naify, 2008
11. ↑ Levi-Strauss, Claude A oleira ciumenta. Lisboa, PT. Edições 70, 1987
12. ↑ Jung, Carl G. Chegando ao inconsciente. in: Jung, Carl G. (org.) O homem e seus símbolos. RJ, Nova Fronteira, 2008
13. ↑ Lévi-Strauss, Claude A oleira ciumenta. Lisboa, PT. Edições 70, 1987 p183
14. ↑ Gay, Peter. Sigmund Freud: um alemão e seus dissabores. in: Souza, Paulo César. Sigmund Freud & O gabinete do Dr. Lacan. SP, Brasiliense, 1990
15. ↑ Freud Sigmund. Totem e tabu (1913/1930) in Edições standard de suas obras completas... v.XIII. RJ, Imago, 1996