terça-feira, 20 de outubro de 2009

LOMBROSO

etiquetamento biológico

Cesare Lombroso (1835 - 1909)
Cesare Lombroso (1835 - 1909)
Hoje é dia do centenário de morte do italiano Cesare Lombroso. Ele foi  professor de psiquiatria, medicina forense e higiene da Universidade de Turim e estudioso positivista da antropologia criminal. Posteriormente, tornou-se estudioso de fenômenos mediúnicos.
Lombroso ficou bastante conhecido pelas suas teorias sobre o “delinquente nato”, ou seja, aquelas ideias de que as características físicas, fisiológicas e mentais dos indivíduos demonstravam se a pessoa era predisposta ao crime ou não. Em uma palavra: um criminoso poderia ser diagnosticado pelas condições anatômicas de seus corpos.
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Foram ideias um tanto absurdas aos olhos dos dias contemporâneos, mas que foram acolhidas com entusiasmo no primeiro Congresso Internacional de Antropologia Criminal, realizado em Roma, no ano de 1885, tornando-se Lombroso uma “celebridade”.
Quatro anos mais tarde, porém, no segundo Congresso (dessa vez realizado em Paris), Lombroso viu boa parte de suas ideias serem refutadas, o que o levou da condição de “celebridade”, para uma outra condição de descrédito dentro da comunidade científica da época. Não obstante essas críticas, algumas ideias de Lombroso ainda ganharam sobrevida na antropologia criminal, amparada por pressupostos deterministas.
É bom lembrar que precisamente nesse período, final do século XIX, as Ciências Sociais passavam por importantes definições que iriam compor o escopo elementar de suas atribuições conceituais, tendo como um dos principais prismas os embates teóricos entre Émile Durkheim e Jean-Gabriel de Tarde, ambos iniciadores de conceituações sociológicas.
No mesmo período em que  Durkheim publicava suas obras Da divisão do trabalho social, Regras do Método Sociológico e O Suicídio,  Tarde publicava obras como Monadologia e Sociologia e A lógica social.
Era um período de consolidação de uma nova ordem social burguesa, na qual circulava fortemente ideias positivistas, deterministas e evolucionistas, atuando também pensamentos filosóficos. Voltada para o universal, a Filosofia estava além das particularidades sociais dos agenciamentos coletivos e individuais.
No ínterim de muitas inovações tecnológicas proporcionadas pela 2º revolução industrial, como o telefone, a fotografia, a luz elétrica – em outras palavras, a conquista de melhoramentos materiais -, veio a se somar o fato moderno das aglomerações das massas (sobretudo em Paris).
Essas ideias e conquistas burguesas circulavam no meio social em que Lombroso pensava, sentia e agia. Os pilares jurisdicionais do direito penal liberal prestaramu-se processualmente como instrumento de neutralização dos agenciamentos de uma decadente nobreza.
Em ascensão social por uma nova ordem, a burguesia se enobrecia enquanto sentia a presença cada vez mais ameaçadora de outras classes “perigosas”, advindas sobretudo das massas.
As massas eram assombrosas. Feias. Fora de padrões de normalidade física. Lombroso decodificou e resignificou determinados signos anatômicos daqueles indivíduos, e propunha uma pretensa tecnologia científica para classificação dos indivíduos “naturalmente” propensos ao crime.
Eram signos dessa dita propensão à delinquência nata: lábios muito grossos, mãos grandes, braços muito longos, maxilar e arcada dentária disforme ou defeituosa, mais ou menos dedos do que se deveria nas extremidades dos membros, muito cabelo e pouca barba, entre outras anormalidades dos padrões físicos, e também mentais.
A sociedade burguesa que construía aquela nova ordem social demandava um outro aparato jurídico para lhe garantir a permanência de poder agenciar seus interesses. Já não lhe concediam segurança aquelas ideias clássicas de Breccaria, Carrara e seus epígonos.
As mudanças sociais, materiais e simbólicas, promoviam também transformações nas visões de mundo, nas formas de pensar, de sentir, de agir. Pressupostos positivistas foram adotados para agenciar a regulamentação jurídica da vida em sociedade.
O cientificismo biológico foi um capacete ideal para o pensamento de Lombroso. Fazendo uso de levantamentos quantitativos dos defeitos físicos dos presos, ele elaborou um esquema de normatização do anormal. Lombroso atuava dentro do esquema de habitus específico dos discursos científicos de então – os discursos normativos do que seria a verdade garantida pela ciência.
As mais correntes objeções à antropologia criminal lombrosiana diziam respeito ao fato de existirem indivíduos que apresentavam os signos da propensão ao crime, mas que nunca teriam delinquido. Num mesmo campo determinista, colocou-se a explicação de que uma boa influência do meio social subtrairia as propensões naturais de um delinquente nato.
Evidentemente, a boa influência social era defendida como um dote das classes mais favorecidas. Tal enunciado garantia não apenas a salvaguarda do Direito Penal, mas também o poder de etiquetamento do criminoso pela antropologia criminal. A utilidade resultante desse enunciado era a segurança daquela ordem social estabelecida.
A ascensão das massas consistia num risco à essa ordem – que teria de ser assegurada a todo custo, nem que fosse através do Direito de encarcerar o anônalo, excluir do convívio social o estranho, normatizar o anormal, classificar o esquisito, condenar à morte o aberrante, em uma palvra, emendar o outro daquela boa sociedade.
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Sugestões de leitura:
• Sobre Émile Durkheim:
“Três fórmulas para compreender “O suicídio” de Durkheim”
Link:
http://www.interface.org.br/revista11/espaco1.pdf
• Sobre Gabriel Tarde
“Multiplicando os agentes do mundo: Gabriel Tarde e a sociologia infinitesimal”
Link:
http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v19n55/a12v1955.pdf
• Sobre o habitus em Pierre Bordieu
“A teoria do habitus em Pierre Bourdieu: uma leitura contemporânea”
Link:
http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/RBDE20/RBDE20_06_MARIA_DA_GRACA_JACINTHO_SETTON.pdf
• Prefácio escrito por Michel Foucault para o livro “Anti-Édipo, capitalismo e esquizofrenia” (Gilles Deleuze e Félix Guatarri)
“Introdução à vida não fascista”
http://www.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/vienonfasc.html
Autor: André Raboni - 19/10/09 às 17:37

http://acertodecontas

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