O PROBLEMA DO RACISMO À BRASILEIRA
PRIMEIRA: Roberto da Matta, em sua digressão no livro Uma Introdução à Antropologia Social, pretende demonstrar como a perspectiva sociológica encontra resistências no cenário social brasileiro. Segundo o seu ponto de vista, a perspectiva sociológica tem sido sistematicamente relegada a um plano secundário, dado que são as DOUTRINAS DETERMINISTAS que sempre lhe tomam a frente.
SEGUNDA: Apresentar o "racismo à brasileira" como prova da dificuldade de pensar socialmente o Brasil e como tentativa de especular sobre as razões que motivam as relações profundas entre credos científicos supostamente eruditos e divorciados da realidade social e as ideologias vasadas na experiência concreta do dia-a-dia.
Podemos perceber alguns aspectos ideológicos no discurso do autor:
- assume uma postura radicalmente contrária ao "racismo"; e
- é adepto da "antropologia da libertação" (pág. 62), buscando a compreensão da "substância" acima da "forma" das relações sócio-econômicas (final da pág. 61), isto é, em perceber o "éter" das relações sociais (cf. Marx); considera os intelectuais (antropólogos) como atores sociais transformadores (início da pág. 62).
O QUE SÃO DOUTRINAS DETERMINISTAS?
São complexos teórico-ideológicos supostamente eruditos, fundamentados em fatores sempre superiores ao domínio da vontade e dos desejos dos indivíduos ou grupos sociais, que florescem tanto no campo erudito, quanto no campo popular e que totalizam e determinam inexoravelmente o comportamento social, político e cultural de uma sociedade. O efeito imediato dessas doutrinas é o de suprimir qualquer discussão da realidade enquanto fato social e histórico específico e impedir qualquer tentativa de transformação. Em geral, tais doutrinas são difundidas e utilizadas como suporte ideológico pseudocientífico para justificar e estabilizar sistemas de dominação social, política e econômica.
São exemplos de doutrinas deterministas:
- O racismo contido na "fábula das três raças" – fundamentado em "determinações biológicas"
- Teorias positivistas de Augusto Comte – pressupostos evolucionistas.
- O marxismo vulgar como moldura pela qual se pode orientar em grande parte a vida social, política e cultural do País – fundamentos políticos e sócio-econômicos distorcidos.
- A moderna definição abrangente do "econômico" e das "forças produtivas" – fundamentada em "determinações econômicas" a priori.
PRECONCEITOS ANTROPOLÓGICOS DOS BRASILEIROS
(Levantar junto aos assistentes qual a idéia que cada um tinha da Antropologia antes de iniciar o curso.)
É sempre menor do que supomos a famosa distância que deve separar as teorias eruditas (ou científicas) da ideologia e valores difundidos pelo corpo social, idéias que formam o que podemos denominar "ideologia abrangente" porque estão disseminadas por todas as camadas, permeando os seus espaços sociais.
O termo "antropólogo" é desconhecido para a grande maioria dos brasileiros. Aqueles que têm uma vaga noção da palavra supõem ser a antropologia uma atividade misteriosa envolvendo ossos, crânios, túmulos e fósseis ou idealizam o antropólogo como um herói aventureiro (Indiana Jones). Estes, com base em conceitos da escola primária, freqüentemente indagam a respeito das "raças formadoras do Brasil" e da confirmação científica da "preguiça do índio", da "melancolia do negro" e da "cupidez" e estupidez do branco lusitano, degredado e degradado. Segundo essa visão tão errônea quanto popular, tais seriam os fatores responsáveis pelo nosso atraso econômico-social, por nossa indigência cultural e da nossa necessidade de autoritarismo político, fator corretivo básico deste universo social que, entregue a si mesmo, só poderia degenerar-se. Isto reproduz exatamente o pensamento racista do famoso Conde de Gobineau (A Diversidade Moral e Intelectual das Raças, 1856).
No imaginário popular brasileiro, o antropólogo é:
- Um Indiana Jones: um senhor grisalho, de roupas cáqui, óculos finos e capacete de explorador que descobre esqueletos antigos enterrados no Egito.
- Um sagaz contador de historietas de negros escravos, lendas de índios idealizados ou episódios históricos de damas, cavaleiros e príncipes portugueses, na graciosa fábula das três raças.
Em suma, fica a imagem do antropólogo social como:
- Um medidor de crânios confirmador de teorias sobre as raças humanas;
- Um arqueólogo clássico perdido entre discussões iniciáticas egípcias ou indianas que encontram ressonância no mundo ideológico brasileiro: no espiritismo kardecista, nos terreiros de Umbanda e nas teorias "científicas" da Parapsicologia.
O brasileiro situa a Antropologia...
... no contexto científico como:
- Junto à Biologia (medindo caveiras e discutindo raças);
- Como a Arqueologia Pré-Histórica.
... no contexto espaço-temporal (escopo):
- Na secular História do Brasil (entendida como "história de raças" e não de homens);
- Fora do mundo conhecido (na velha Grécia, no Antigo Egito ou junto com os homens das cavernas).
O conhecimento social é reduzido a algo natural como "raças", "miscigenação" e traços biologicamente determinados por tais "raças".
O senso comum brasileiro limita o conhecimento antropológico a um tempo anterior ao mundo social, no seu limiar. Não percebe (ou não admite) as suas possibilidades de inserção no contexto social contemporâneo.
Ao ser esclarecido sobre o que realmente é um antropólogo social (ou cultural), o brasileiro decepciona-se e tende a considerá-lo como "mais um desses chatos especialistas em problemas contemporâneos", problemas políticos e sociais dos quais ele deseja fugir a qualquer custo.
O fato social e ideológico fundamental é que, na consciência social brasileira, o antropólogo surge como um CIENTISTA NATURAL, com ...
- unidades e objeto de estudo bem determinados: AS RAÇAS E A BIOLOGIA DO HOMEM COMO ESPÉCIE ANIMAL;
- uma diretriz essencial: o PLANO DE EVOLUÇÃO DESSAS RAÇAS;
- uma contribuição para o saber: O MODO PELO QUAL TAIS RAÇAS ENTRAM EM RELAÇÃO PARA CRIAR UM POVO AMBÍGUO EM SEU CARÁTER. (Uma banalidade empírica: "O que todo o mundo já está careca de saber desde os tempos da escola primária").
Esta visão de mundo e de ciência leva o brasileiro comum às seguintes conclusões:
- Nada há que os homens ou seus grupos possam realizar concretamente;
- Tudo é determinado por causas biológicas e nunca pelas razões sociais, no tempo histórico;
- O "tempo biológico" tem razões que o tempo dos homens concretos e históricos desconhece, de nada valendo qualquer rebelião contra ele;
- O antropólogo social torna-se um cientista desumanizado preso e sujeito ao estudo das coisas dadas, jamais daquilo que é realizado pelo homem em sociedade.
- Sua "estória" é ordenadamente pessimista e indisfarçadamente elitista; não é uma narrativa de possibilidades e alternativas, atitude que faz nascer o otimismo, mas de derrotas e fechamentos, num universo onde a vontade e o espaço para a esperança é muito reduzido.
Em outras palavras, a conclusão é que a realidade social é imutável. Os homens são impotentes diante da sua realidade social ("deixa como está, para ver como é que fica.").
O autor atribui ainda uma outra visão da "consciência popular" acerca do antropólogo: uma espécie de economista produtor de um discurso formalista acerca de conceitos básicos como "modo de produção", "sobre-trabalho", "unidade produtiva", etc., que, em geral, ignora as questões concernentes à substância das relações sócio-econômicas:
A nosso ver, não se trata aqui do ponto de vista da consciência popular, mas sim da visão própria dos círculos acadêmicos brasileiros, pois, como bem assinalou o autor, a consciência popular está muito distante da real concepção do que vem a ser um antropólogo social para emitir tal juízo. Seria mais coerente colocar-se o próprio economista como objeto desta visão e autor das novas teorias deterministas que lastreiam o novo modelo brasileiro de dominação social.
Assim, o antigo determinismo biológico tende atualmente a ser substituído pelo determinismo econômico. Tende-se novamente a estabelecer um quadro em que, uma totalidade abrangente e superior que tudo submete e explica, esconde as possibilidades de resgatar o humano dentro do social, já que ele jamais pode ser contido em "leis", "fórmulas", "regras" ou determinações, a menos que o jogo das forças sociais assim o deseje.
UM IDEAL PARA A ANTROPOLOGIA BRASILEIRA
(segundo Roberto da Matta)
Na visão de Roberto da Matta, o antropólogo brasileiro, para chegar à percepção daquilo que Marx denominou de "éter" das relações sociais, ou seja, os valores e as motivações que – como cultura e ideologia – emolduram e dão sentido às próprias relações sociais e de produção, deve investigar e responder a questões como, por exemplo:
- Como se desenvolve o capitalismo no Brasil?
- Como se dão concretamente as relações de produção e trabalho entre nós?
- Como esse edifício é percebido pelos que nele estão envolvidos?
Além disto, defende o autor, o antropólogo deve perceber as idéias como elementos sociais ativos – "atores sociais" agindo quer como catalizadores, quer como inibidores de ações e condutas da sociedade – sob o risco de cair na postura teórico-formal e, com ela, no plano abstrato das determinações (determinismo).
Observe-se aqui a divergência de Roberto da Matta em relação à posição de Laplantine que condena a atuação do antropólogo como agente transformador da própria sociedade que estuda.
O "RACISMO À BRASILEIRA"
(IDÉIA: levantar a discussão "EXISTE RACISMO NO BRASIL? COMO ELE SE MANIFESTA?").
A sociedade brasileira apresenta, ao longo de sua história, SISTEMAS HIERARQUIZADOS plenamente concordantes com as DOUTRINAS DETERMINISTAS.
Os determinismos apresentam o todo como algo concreto, fornecendo um lugar para cada coisa e colocando cada coisa em seu lugar.
A FÁBULA DAS TRÊS RAÇAS
A importância dessa fábula reside, entre outras coisas, no fato de ela permitir a junção das pontas do popular e do elaborado (ou erudito) na nossa cultura, isto é, os seus aspectos empíricos (associados ao popular) e teóricos (associados ao concebido, erudito ou científico, aquilo que impõe a distância e as intermediações).
A profundidade histórica dessa fábula é impressionante. Que os três elementos sociais – branco, negro e indígena – tenham sido importantes entre nós é óbvio, constituindo-se sua afirmativa ou descoberta quase que numa banalidade empírica. É claro que foram! Mas o importante é o seu uso como recurso ideológico na construção da identidade social brasileira.
Isto não ocorreu da mesma forma nos demais países da América. Nos Estados Unidos, por exemplo, as coisas ocorreram de forma muito diversa do caso brasileiro. Naquele país não há escalas entre elementos étnicos: ou você é índio ou negro ou não é!
Tais gradações poriam em risco aqueles que têm o pleno direito à igualdade. Nos Estados Unidos não temos o "triângulo de raças" que foi mantido como um dado fundamental na compreensão do Brasil pelos brasileiros. Essa triangulação étnica tornou-se uma ideologia dominante, abrangente, capaz de permear a visão do novo, dos intelectuais, dos políticos e dos acadêmicos de esquerda e de direita. Todos proclamam unanimemente a mestiçagem e utilizam-se dessas unidades básicas – branco, negro, índio – através das quais se realiza a exploração ou a redenção das massas.
NO BRASIL DEU-SE UMA JUNÇÃO IDEOLÓGICA BÁSICA ENTRE UM SISTEMA HIERARQUIZADO REAL, CONCRETO E HISTORICAMENTE HERDADO DA MATRIZ PORTUGUESA E A SUA LEGITIMAÇÃO IDEOLÓGICA NUM PLANO MUITO PROFUNDO.
A sociedade portuguesa era extremamente hierarquizada tanto no contexto político quanto no social, com muitas camadas ou "estados" sociais diferenciados e complementares.
A IGUALDADE ERA RIGOROSAMENTE PROIBIDA.
Prelados, fidalgos, letrados, cidadãos (homens bons com direitos políticos) e, em último lugar, a grande massa, sem representação em cortes.
NINGUÉM ERA IGUAL PERANTE A LEI!
Assim era estruturada a complicada sociedade portuguesa, que se diferenciou das demais sociedades mercantilistas modernas por conservar justamente a aristocracia em seu seio. Embora fundada no modelo mercantilista moderno, era rigidamente controlada por leis e decretos que impediam a ascensão política de uma burguesia comercial com sua individualidade e interesses próprios. Ou seja, EM PORTUGAL IMPERAVA O MERCANTILISMO, MAS NÃO HAVIA UMA MENTALIDADE BURGUESA, COM SEUS IDEAIS IGUALITÁRIOS E INDIVIDUALISTAS. AS HIERARQUIAS TRADICIONAIS (ARISTOCRACIA E IGREJA CATÓLICA) FORAM MANTIDAS. Temos, pois, em Portugal a figura ímpar do ARISTOCRATA-COMERCIANTE OU DO FIDALGO-BURGUÊS, personagens de um drama social e político ambíguo, cujo sistema de vida sempre esteve fundado nos ideais da HIERARQUIA.
Nessa sociedade portuguesa dominada pelas hierarquias sociais abrangentes TUDO TEM UM LUGAR DEFINIDO. A categorização social é geral, inclusive em relação aos grupos étnicos diferenciados.
O português colonizador, longe de ser um indivíduo degredado e degradado, um marginal sem eira nem beira, RECONSTRUIU AQUI A SOCIEDADE PORTUGUESA ORIGINAL.
A colonização não foi uma empresa sem alvos e métodos definidos. Portugal realizou um verdadeiro transplante ideológico durante a colonização do Brasil, transpondo de lá para cá as suas formas de classificação social, técnicas jurídicas e administrativas, etc.
REPRODUZIU-SE AQUI EXATAMENTE A ESTRUTURA DA METRÓPOLE.
Embora não seja possível demarcar com precisão as ORIGENS DO CREDO RACIAL brasileiro, é possível assinalar seu CARÁTER PROFUNDAMENTE HIERARQUIZADO.
No momento em que as nossas estruturas começaram a ser abaladas pelas GUERRAS DE INDEPENDÊNCIA, houve uma REORIENTAÇÃO DOS SISTEMAS HIERÁRQUICOS vigentes no Brasil. Mesmo tendo esse caráter elitista, de cima para baixo, e não tendo, portanto, o mérito de promover transformações sociais mais profundas, a ruptura em relação à Coroa Portuguesa forçou as elites dominantes a buscar uma nova identidade brasileira, na verdade um NOVO ARRANJO IDEOLÓGICO que justificasse, racionalizasse e legitimasse as diferenças internas da nossa sociedade.
Na visão de Roberto da Matta, é justamente nesse momento que se introduz a FÁBULA DAS TRÊS RAÇAS E O "RACISMO À BRASILEIRA", uma ideologia que permite conciliar os impulsos contraditórios de nossa sociedade, sem que se crie um plano para a sua transformação profunda.
O período que antecede a Proclamação da República e a Abolição da Escravatura, momento de crise nacional profunda, quando se abalam as hierarquias sociais, é o marco histórico das doutrinas raciais brasileiras. A crise iniciada com a independência acabou se adiando e, por fim, desaguou no Movimento Abolicionista (progressista e igualitário) e na Proclamação da República (reacionário e fechado, destinado a manter o poder dos donos de terra).
A Abolição representou uma terrível ameaça ao edifício econômico e social do país. A IDEOLOGIA CATÓLICA E O FORMALISMO JURÍDICO PORTUGUÊS não se constituíam mais em elementos capazes de sustentar o sistema hierárquico, era preciso uma nova ideologia. Essa ideologia, ao lado das cadeias de relações sociais dadas pela patronagem e que se mantiveram aparentemente intactas, foi dada com o RACISMO. E ela surgiu de modo complexo, no bojo de dois impulsos contraditórios: um caracterizado pelo projeto reacionário de manter o status quo, libertando legalmente o escravo, mas mantendo-o de fato sem condições de libertar-se social e cientificamente; o outro tratando de perceber como o racismo foi uma motivação poderosa para investigar a realidade brasileira.
A FÁBULA DAS TRÊS RAÇAS se constitui na mais poderosa força cultural do Brasil, permitindo pensar o país, integrar idealmente sua sociedade e individualizar sua cultura. Essa fábula tem hoje a força e o estatuto de uma IDEOLOGIA DOMINANTE:
- um sistema totalizado de idéias que interpenetra a maioria dos domínios explicativos da cultura, fornecendo por muito tempo as bases de um projeto político e social para o brasileiro (através da tese do "branqueamento" como objetivo a ser buscado);
- permite ao homem comum, ao sábio e ao ideólogo conceber uma sociedade altamente dividida por hierarquizações como uma totalidade integrada por laços humanos dados com o sexo e os atributos "raciais" complementares;
- Possibilita visualizar nossa sociedade como algo singular – especificidade que nos é presenteada pelo encontro harmonioso das três "raças";
- Une a sociedade num plano "biológico" e "natural", domínio unitário, prolongado nos ritos de Umbanda, na cordialidade, no carnaval, na comida, na beleza da mulher (e da mulata) e na música.
AS FONTES ERUDITAS DO RACISMO BRASILEIRO
O racismo nasceu na Europa do século XVIII, na crise da Revolução Francesa, mas só veio dominar o cenário intelectual europeu no século seguinte, na forma das teorias evolucionistas cientificamente respeitadas, com as quais já estamos familiarizados.
No século XIX, o racismo aparece em sua forma acabada, como um instrumento do imperialismo e como uma justificativa "natural" para a supremacia dos povos da Europa Ocidental sobre o resto do mundo. Foi esse tipo de racismo que a elite intelectual brasileira bebeu sofregamente, tomando-o como doutrina explicativa acabada para a realidade que existia no país.
Adotaram-se amplamente as teorias racistas produzidas pelo norte-americano Agassiz e pelos europeus Buckle, Gobineau e Couty (mais influentes aqui por terem feito referências expressas ao Brasil). Na visão desses estudiosos o Brasil tinha um futuro duvidoso, pois a sociedade brasileira se caracterizava por "conjunções raciais rigorosamente condenadas" entre negros, brancos e índios.
AS DOUTRINAS RACISTAS DO SÉCULO XIX
PRESSUPOSTOS DAS TEORIAS RACISTAS
As teorias racistas baseavam-se em PRESSUPOSTOS simples e, justamente por isso, tinham alto poder atrativo sobre os círculos intelectuais políticos:
- CADA RAÇA OCUPA UM CERTO LUGAR NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE e eram tomadas como espécies altamente diferenciadas, seja no tempo, seja no espaço, ou em ambas as dimensões; daí a ilação de que as diferenças entre as sociedades e nações expressavam as posições biológicas diferenciadas de cada uma numa escala evolutiva; Louis Agassiz, por exemplo, considerado o maior poligenista americano, não hesitava em situar a raça branca como superior e, após sua famosa visita ao Brasil, mencionar este país como um exemplo negativo da "deterioração decorrente do amálgama de raças que vai apagando rapidamente as melhores qualidades do branco, do negro e do índio, deixando um tipo indefinido, híbrido, deficiente em energia física e mental". Como se vê, o diagnóstico não é muito diferente do de Gobineau.
O DETERMINISMO, outro ponto essencial nas doutrinas racistas, estabelece que as diferenciações biológicas produziram (no "tempo biológico") TIPOS acabados e que cada tipo está determinado em seu comportamento e mentalidade pelos fatores intrínsecos ao seu componente biológico. Gobineau estabeleceu uma perfeita equação entre traços biológicos, psicológicos e posição histórica em seu A Diversidade Moral e IntelectuaESQUEMA DAS RAÇAS HUMANAS
SEGUNDO GOBINEAU (1856)
| NEGRA
| AMARELA
| BRANCA
|
INTELECTO
| Débil
| Medíocre
| Vigoroso
|
PROPENSÕES ANIMAIS
| Muito fortes
| Moderadas
| Fortes
|
MANIFESTAÇÕES MORAIS
| Parcialmente latentes
| Comparativamente desenvolvidas
| Altamente cultivadas
|
Observe-se aqui a divergência de Roberto da Matta em relação à posição de Laplantine que condena a atuação do antropólogo como agente transformador da própria sociedade que estuda.
O "RACISMO À BRASILEIRA"
(IDÉIA: levantar a discussão "EXISTE RACISMO NO BRASIL? COMO ELE SE MANIFESTA?").
A sociedade brasileira apresenta, ao longo de sua história, SISTEMAS HIERARQUIZADOS plenamente concordantes com as DOUTRINAS DETERMINISTAS.
Os determinismos apresentam o todo como algo concreto, fornecendo um lugar para cada coisa e colocando cada coisa em seu lugar.
A FÁBULA DAS TRÊS RAÇAS
A importância dessa fábula reside, entre outras coisas, no fato de ela permitir a junção das pontas do popular e do elaborado (ou erudito) na nossa cultura, isto é, os seus aspectos empíricos (associados ao popular) e teóricos (associados ao concebido, erudito ou científico, aquilo que impõe a distância e as intermediações).
A profundidade histórica dessa fábula é impressionante. Que os três elementos sociais – branco, negro e indígena – tenham sido importantes entre nós é óbvio, constituindo-se sua afirmativa ou descoberta quase que numa banalidade empírica. É claro que foram! Mas o importante é o seu uso como recurso ideológico na construção da identidade social brasileira.
Isto não ocorreu da mesma forma nos demais países da América. Nos Estados Unidos, por exemplo, as coisas ocorreram de forma muito diversa do caso brasileiro. Naquele país não há escalas entre elementos étnicos: ou você é índio ou negro ou não é!
Tais gradações poriam em risco aqueles que têm o pleno direito à igualdade. Nos Estados Unidos não temos o "triângulo de raças" que foi mantido como um dado fundamental na compreensão do Brasil pelos brasileiros. Essa triangulação étnica tornou-se uma ideologia dominante, abrangente, capaz de permear a visão do novo, dos intelectuais, dos políticos e dos acadêmicos de esquerda e de direita. Todos proclamam unanimemente a mestiçagem e utilizam-se dessas unidades básicas – branco, negro, índio – através das quais se realiza a exploração ou a redenção das massas.
NO BRASIL DEU-SE UMA JUNÇÃO IDEOLÓGICA BÁSICA ENTRE UM SISTEMA HIERARQUIZADO REAL, CONCRETO E HISTORICAMENTE HERDADO DA MATRIZ PORTUGUESA E A SUA LEGITIMAÇÃO IDEOLÓGICA NUM PLANO MUITO PROFUNDO.
A sociedade portuguesa era extremamente hierarquizada tanto no contexto político quanto no social, com muitas camadas ou "estados" sociais diferenciados e complementares.
A IGUALDADE ERA RIGOROSAMENTE PROIBIDA.
Prelados, fidalgos, letrados, cidadãos (homens bons com direitos políticos) e, em último lugar, a grande massa, sem representação em cortes.
NINGUÉM ERA IGUAL PERANTE A LEI!
Assim era estruturada a complicada sociedade portuguesa, que se diferenciou das demais sociedades mercantilistas modernas por conservar justamente a aristocracia em seu seio. Embora fundada no modelo mercantilista moderno, era rigidamente controlada por leis e decretos que impediam a ascensão política de uma burguesia comercial com sua individualidade e interesses próprios. Ou seja, EM PORTUGAL IMPERAVA O MERCANTILISMO, MAS NÃO HAVIA UMA MENTALIDADE BURGUESA, COM SEUS IDEAIS IGUALITÁRIOS E INDIVIDUALISTAS. AS HIERARQUIAS TRADICIONAIS (ARISTOCRACIA E IGREJA CATÓLICA) FORAM MANTIDAS. Temos, pois, em Portugal a figura ímpar do ARISTOCRATA-COMERCIANTE OU DO FIDALGO-BURGUÊS, personagens de um drama social e político ambíguo, cujo sistema de vida sempre esteve fundado nos ideais da HIERARQUIA.
Nessa sociedade portuguesa dominada pelas hierarquias sociais abrangentes TUDO TEM UM LUGAR DEFINIDO. A categorização social é geral, inclusive em relação aos grupos étnicos diferenciados.
O português colonizador, longe de ser um indivíduo degredado e degradado, um marginal sem eira nem beira, RECONSTRUIU AQUI A SOCIEDADE PORTUGUESA ORIGINAL.
A colonização não foi uma empresa sem alvos e métodos definidos. Portugal realizou um verdadeiro transplante ideológico durante a colonização do Brasil, transpondo de lá para cá as suas formas de classificação social, técnicas jurídicas e administrativas, etc.
REPRODUZIU-SE AQUI EXATAMENTE A ESTRUTURA DA METRÓPOLE.
Embora não seja possível demarcar com precisão as ORIGENS DO CREDO RACIAL brasileiro, é possível assinalar seu CARÁTER PROFUNDAMENTE HIERARQUIZADO.
No momento em que as nossas estruturas começaram a ser abaladas pelas GUERRAS DE INDEPENDÊNCIA, houve uma REORIENTAÇÃO DOS SISTEMAS HIERÁRQUICOS vigentes no Brasil. Mesmo tendo esse caráter elitista, de cima para baixo, e não tendo, portanto, o mérito de promover transformações sociais mais profundas, a ruptura em relação à Coroa Portuguesa forçou as elites dominantes a buscar uma nova identidade brasileira, na verdade um NOVO ARRANJO IDEOLÓGICO que justificasse, racionalizasse e legitimasse as diferenças internas da nossa sociedade.
Na visão de Roberto da Matta, é justamente nesse momento que se introduz a FÁBULA DAS TRÊS RAÇAS E O "RACISMO À BRASILEIRA", uma ideologia que permite conciliar os impulsos contraditórios de nossa sociedade, sem que se crie um plano para a sua transformação profunda.
O período que antecede a Proclamação da República e a Abolição da Escravatura, momento de crise nacional profunda, quando se abalam as hierarquias sociais, é o marco histórico das doutrinas raciais brasileiras. A crise iniciada com a independência acabou se adiando e, por fim, desaguou no Movimento Abolicionista (progressista e igualitário) e na Proclamação da República (reacionário e fechado, destinado a manter o poder dos donos de terra).
A Abolição representou uma terrível ameaça ao edifício econômico e social do país. A IDEOLOGIA CATÓLICA E O FORMALISMO JURÍDICO PORTUGUÊS não se constituíam mais em elementos capazes de sustentar o sistema hierárquico, era preciso uma nova ideologia. Essa ideologia, ao lado das cadeias de relações sociais dadas pela patronagem e que se mantiveram aparentemente intactas, foi dada com o RACISMO. E ela surgiu de modo complexo, no bojo de dois impulsos contraditórios: um caracterizado pelo projeto reacionário de manter o status quo, libertando legalmente o escravo, mas mantendo-o de fato sem condições de libertar-se social e cientificamente; o outro tratando de perceber como o racismo foi uma motivação poderosa para investigar a realidade brasileira.
A FÁBULA DAS TRÊS RAÇAS se constitui na mais poderosa força cultural do Brasil, permitindo pensar o país, integrar idealmente sua sociedade e individualizar sua cultura. Essa fábula tem hoje a força e o estatuto de uma IDEOLOGIA DOMINANTE:
- um sistema totalizado de idéias que interpenetra a maioria dos domínios explicativos da cultura, fornecendo por muito tempo as bases de um projeto político e social para o brasileiro (através da tese do "branqueamento" como objetivo a ser buscado);
- permite ao homem comum, ao sábio e ao ideólogo conceber uma sociedade altamente dividida por hierarquizações como uma totalidade integrada por laços humanos dados com o sexo e os atributos "raciais" complementares;
- Possibilita visualizar nossa sociedade como algo singular – especificidade que nos é presenteada pelo encontro harmonioso das três "raças";
- Une a sociedade num plano "biológico" e "natural", domínio unitário, prolongado nos ritos de Umbanda, na cordialidade, no carnaval, na comida, na beleza da mulher (e da mulata) e na música.
AS FONTES ERUDITAS DO RACISMO BRASILEIRO
O racismo nasceu na Europa do século XVIII, na crise da Revolução Francesa, mas só veio dominar o cenário intelectual europeu no século seguinte, na forma das teorias evolucionistas cientificamente respeitadas, com as quais já estamos familiarizados.
No século XIX, o racismo aparece em sua forma acabada, como um instrumento do imperialismo e como uma justificativa "natural" para a supremacia dos povos da Europa Ocidental sobre o resto do mundo. Foi esse tipo de racismo que a elite intelectual brasileira bebeu sofregamente, tomando-o como doutrina explicativa acabada para a realidade que existia no país.
Adotaram-se amplamente as teorias racistas produzidas pelo norte-americano Agassiz e pelos europeus Buckle, Gobineau e Couty (mais influentes aqui por terem feito referências expressas ao Brasil). Na visão desses estudiosos o Brasil tinha um futuro duvidoso, pois a sociedade brasileira se caracterizava por "conjunções raciais rigorosamente condenadas" entre negros, brancos e índios.
AS DOUTRINAS RACISTAS DO SÉCULO XIX
PRESSUPOSTOS DAS TEORIAS RACISTAS
As teorias racistas baseavam-se em PRESSUPOSTOS simples e, justamente por isso, tinham alto poder atrativo sobre os círculos intelectuais políticos:
- CADA RAÇA OCUPA UM CERTO LUGAR NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE e eram tomadas como espécies altamente diferenciadas, seja no tempo, seja no espaço, ou em ambas as dimensões; daí a ilação de que as diferenças entre as sociedades e nações expressavam as posições biológicas diferenciadas de cada uma numa escala evolutiva; Louis Agassiz, por exemplo, considerado o maior poligenista americano, não hesitava em situar a raça branca como superior e, após sua famosa visita ao Brasil, mencionar este país como um exemplo negativo da "deterioração decorrente do amálgama de raças que vai apagando rapidamente as melhores qualidades do branco, do negro e do índio, deixando um tipo indefinido, híbrido, deficiente em energia física e mental". Como se vê, o diagnóstico não é muito diferente do de Gobineau.
- O DETERMINISMO, outro ponto essencial nas doutrinas racistas, estabelece que as diferenciações biológicas produziram (no "tempo biológico") TIPOS acabados e que cada tipo está determinado em seu comportamento e mentalidade pelos fatores intrínsecos ao seu componente biológico. Gobineau estabeleceu uma perfeita equação entre traços biológicos, psicológicos e posição histórica em seu A Diversidade Moral e Intelectual das Raças:
ESQUEMA DAS RAÇAS HUMANAS
SEGUNDO GOBINEAU (1856)
| NEGRA
| AMARELA
| BRANCA
|
INTELECTO
| Débil
| Medíocre
| Vigoroso
|
PROPENSÕES ANIMAIS
| Muito fortes
| Moderadas
| Fortes
|
MANIFESTAÇÕES MORAIS
| Parcialmente latentes
| Comparativamente desenvolvidas
| Altamente cultivadas
|
Gobineau afirmava:
- a existência de diversas "raças brancas";
- a superioridade das "raças brancas";
- que cada raça tem uma determinada tendência baseada numa equação entre RAÇA = CULTURA = NAÇÃO = TRIBO (os fenícios eram mercadores; os gregos, "professores das futuras gerações" e os romanos, modeladores de governo e leis;
- que os poderes ou instintos raciais nunca mudam enquanto a raça permanece pura;
- se as "propensões animais" são fortes e não contrabalançadas por "manifestações morais", a "raça" estaria condenada a ter uma vida coletiva deficiente e desorganizada; quando as "propensões animais" são fortes e o "intelecto" é vigoroso, como nas "raças brancas", o resultado é uma "grande expansão no sentido moral, com uma complexa e variada organização política emergindo";
- que as misturas infelizes de raças levariam civilizações à decadência, à ruína, a ser dominadas por outras ou até mesmo extintas.
Gobineau foi embaixador no Brasil e externava uma fantástica preocupação diante da realidade física de mulatos, cafuzos e mamelucos, afirmando que o branco estava perdendo suas qualidades para o índio e, sobretudo para a "raça negra".
FATORES QUE DETERMINARAM A ADOÇÃO DO RACISMO NO BRASIL
Essa teoria que relacionava a Biologia e a História com a moralidade foi aceita de imediato pelo Brasil. Nada mais fácil para servir de "modelo científico" à nossa realidade, dando-lhe uma forma totalizada e acabada, do que essa síntese arianista nascida do ideário europeu tão prestigiado de Gobineau.
Skidmore (1976) indica que a EXPERIÊNCIA HISTÓRICA é básica para a adoção das teses racistas, mas Roberto da Matta afirma a existência de outros elementos que devem ser considerados:
- O "determinismo geográfico" foi menos estudado e debatido do que o "determinismo racial". Essa preferência indica claramente a profunda relação existente entre o meio social brasileiro e as doutrinas racistas, com o seu apelo explicativo para uma sociedade dividida em segmentos, cujo poder e prestígio diferencial e hierarquizado correspondia, grosso modo, a diferenças de tipos físicos e origens sociais.
- o racismo à la Gobineau tinha o mérito de inaugurar uma reflexão sobre a dinâmica das "raças", abrindo a discussão das dinâmicas sociais (a sedução do "branqueamento dos negros" teria nele a sua origem?).
UMA ANÁLISE DA CONJUNTURA HISTÓRICA BRASILEIRA
Roberto da Matta descreve a situação histórica e social do Brasil com os seguintes traços:
- A escravidão estava contida num sistema político antiindividualista e antiigualitário; um sistema totalizante e abrangente, dominado por uma modalidade muito bem articulada e antiga de formalismo jurídico – legado da colonização portuguesa.
- Até o final do século XIX, constituiu-se uma sociedade de nobres, com uma ideologia aristocrática e antiigualitária; dominada pela ética do familismo, da patronagem e das relações pessoais, tudo isso emoldurado por um sistema jurídico formalista e totalizante que sempre privilegia o todo (a estrutura hierárquica social) e não as partes (os indivíduos e os casos concretos). Tudo isto fez com que o regime de escravidão fosse aceito como algo normal pela maior parte dos membros de nossas elites, tornando-se um sistema universal pelo fim do século XIX, exatamente o contrário do que ocorreu nos Estados Unidos, onde o trabalho escravo era um fato social regional, altamente localizado.
- Estrutura política autoritária, centralizante, onde o político e a moralidade controlavam e demarcavam de cima os impulsos econômicos.
- Sistema social fortemente hierarquizado, onde as pessoas se ligam entre si e essas ligações são consideradas fundamentais (valendo mais do que as leis universalizantes), permitindo aos senhores e escravos realizarem relações com muito maior "intimidade, confiança e consideração".
- O senhor não se sente ameaçado ou culpado por estar submetendo um outro homem ao trabalho escravo, pelo contrário, vê o negro como seu complemento natural.
- A visão de um mundo altamente hierarquizado e totalizado desde os céus (Igreja Católica com suas ordens de anjos, arcanjos, querubins, santos de vários méritos, etc. situadas em esferas, círculos e planos, tudo consolidado na Santíssima Trindade, todo e parte ao mesmo tempo) produz uma idéia de igualdade e hierarquia simultânea, o que enseja menores pressões nas relações entre senhores e escravos, superiores e inferiores, e daí o maior grau de intimidade entre as partes.
- O ponto crítico de todo o nosso sistema é a sua profunda desigualdade: ninguém é igual entre si ou perante a lei; nem senhores (diferenciados pelo sangue, nome, dinheiro, títulos, propriedades, educação, relações pessoais "clientelistas", etc.), nem os escravos, criados ou subalternos, igualmente diferenciados entre si por meio de vários critérios; estabelece-se diferenciações para cima e para baixo, de forma que todo o universo social acaba pagando o preço da sua extremada desigualdade, colocando tudo em gradações.
- Não há necessidade de segregar o mestiço, o mulato, o índio e o negro, porque as hierarquias asseguram a superioridade do branco como grupo dominante.
- Uma totalidade francamente dirigida e fortemente hierarquizada, aliada com a ausência de valores igualitários, permitiu a conciliação, num plano profundo, das posições individuais e pessoais, dando lugar à intimidade, à consideração, ao favor e à confiança. (O autor refuta a suposição de Gilberto Freyre que simplesmente atribuía isto ao caráter nacional português).
- Num sistema hierarquizado como o nosso, "cada coisa tem um lugar demarcado e cada lugar tem a sua coisa correspondente".
- Situações de segregação só tendem a ocorrer quando o elemento não é conhecido socialmente, isto é, quando a pessoa não tem e não mantém relações sociais naquele meio, não está integrada na rede de relações altamente estruturadas que, por definição, não pode deixar nada de fora: nem propriedade nem emoção nem relação. Uma vez que tais relações são estabelecidas, todos ficam dentro de um sistema totalizante, por meio do qual todas as diferenças são resolvidas.
QUADRO COMPARATIVO ENTRE OS CONTEXTOS HISTÓRICOS BRASILEIRO E NORTE-AMERICANO, CONFORME ROBERTO DA MATTA
BRASIL
| ESTADOS UNIDOS
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BURGUESIA PORTUGUESA ATRELADA À ARISTOCRACIA E/OU SUBMISSA AO REI ("aristocratas-comerciantes" ou "fidalgos-burgueses").
| BURGUESIA INGLESA POLÍTICAMENTE FORTE E INDEPENDENTE.
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SISTEMA ECONÔMICO ORIGINADO SOB FORTE SUJEIÇÃO À COROA PORTUGUESA.
| SISTEMA ECONÔMICO ORIGINADO SOB FORTE INFLUÊNCIA DA INICIATIVA PRIVADA BURGUESA.
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CATÓLICISMO (HIERÁRQUICO)
| PROTESTANTISMO (ANTI-HIERÁRQUICO)
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SISTEMA SOCIAL ALTAMENTE HIERARQUIZADO.
| BAIXA HIERARQUIZAÇÃO DO SISTEMA SOCIAL.
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FORMALISMO JURÍDICO ACENTUADO
| SISTEMA JURÍDICO POUCO FORMAL
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IDEOLOGIA ARISTOCRÁTICA ANTIIGUALITÁRIO E ANTIINDIVIDUALISTA. ("Ninguém é igual entre si ou perante a lei".)
| IDEOLOGIA BURGUESA IGUALITÁRIA E INDIVIDUALISTA. (Os cidadãos – leia-se "brancos" – são iguais entre si e perante a lei)
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INTIMIDADE ENTRE SENHORES E ESCRAVOS, SUPERIORES E INFERIORES.
| SEGREGAÇÃO E DISTANCIAMENTO ENTRE SENHORES E ESCRAVOS.
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SEGREGAÇÃO AUSENTE; MESTIÇOS SÃO CLASSIFICADOS EM GRADAÇÕES; A MISCIGENAÇÃO É TOLERADA;
SISTEMA TRIANGULAR
| MISCIGENAÇÃO RIGOROSAMENTE CONDENADA; NEGROS E MESTIÇOS RADICALMENTE SEGREGADOS.
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REGIME ESCRAVISTA COMO FORMA DOMINANTE (UNIVERSAL) DE EXPLORAÇÃO DO TRABALHO.
| REGIME ESCRAVISTA COMO FATO SOCIAL REGIONAL, ALTAMENTE LOCALIZADO.
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AS PRESSÕES GERADAS PELA ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA FORAM CONTROLADAS ATRAVÉS DO FORTE SISTEMA HIERÁRQUICO E DO FORMALISMO JURÍDICO.
| AS PRESSÕES GERADAS PELA LIBERTAÇÃO DOS ESCRAVOS LEVARAM A PROFUNDOS CONFLITOS RACIAIS.
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As origens do racismo brasileiro
O movimento da Independência (1822) provocou uma forte reorientação dos sistemas de hierarquia vigentes no Brasil. A partir desse momento, o racismo se coloca como uma ideologia necessária para substituir as antigas idéias da Igreja Católica que perdiam força diante do crescimento dos ideais libertários e igualitários da França e com a consolidação da burguesia protestante no cenário mundial. O centro de poder, antes localizado no além-mar, passava a se localizar no Rio de Janeiro, sofrendo naturalmente todas as pressões da sociedade local.
Essa busca de uma identidade nacional e de mecanismos ideológicos de racionalização e legitimação das diferenças sociais internas do país resultou na adoção da "fábula das três raças" e no "racismo à brasileira", uma ideologia que permite conciliar uma série de impulsos contraditórios de nossa sociedade, sem que se crie um plano para sua transformação profunda.
O marco histórico das doutrinas raciais brasileiras é o período que antecede a Proclamação da República e a Abolição da Escravatura, momento de crise nacional profunda, quando se abalam as hierarquias sociais.
A Abolição foi um movimento de sentido progressista e aberto (igualdade e transformação das hierarquias), enquanto a República se traduz num movimento reacionário e fechado (manutenção do poder dos donos de terras).
A ideologia católica e o formalismo jurídico herdado de Portugal não eram mais suficientes para sustentar o sistema hierárquico, era preciso uma nova ideologia (destaque-se aqui a importância do apogeu do positivismo comteano nessa época).
As cadeias de relações sociais dadas pela patronagem se mantiveram intactas. Associada à doutrina racista emergente na Europa, instalou-se, então, uma ideologia capaz de justificar o sistema social vigente e mantê-lo equilibrado.
Assim, tratou-se de manter o status quo, libertando o escravo juridicamente, mas deixando-o sem condições de libertar-se de fato.
A "fábula das três raças" se constitui na mais poderosa força cultural do Brasil, permitindo pensar o país, integrar idealmente sua sociedade e individualizar sua cultura. Tem a força e o estatuto de uma ideologia dominante: um sistema totalizado de idéias que interpenetra a maioria dos domínios explicativos da cultura. Sustentou por muitos anos e ainda hoje fornece as bases de um projeto político e social (através da tese do "branqueamento" como alvo a ser buscado). Permite a todos conceber uma sociedade altamente dividida por hierarquizações como uma totalidade integrada; e, finalmente, essa fábula possibilita visualizar nossa sociedade como algo singular – especificidade que nos é presenteada pelo idealizado encontro harmonioso das três "raças". O mito das três "raças" une a sociedade num plano "biológico"e "natural", domínio unitário, prolongado nos ritos da Umbanda, na cordialidade, no carnaval, na comida, na beleza da mulher (e da mulata) e na música...
As fontes eruditas do racismo brasileiro
Com o surgimento das teorias evolucionistas no século XIX, o racismo assume a sua forma acabada, como um instrumento de dominação e como justificativa "natural" para a supremacia dos povos europeus ocidentais sobre o resto do mundo. A elite intelectual brasileira absorveu sofregamente essas idéias, tomando-as como doutrina explicativa para a realidade que existia no país.
Mas, na visão dos estudiosos europeus e norte-americanos, o Brasil se constituía num exemplo negativo, "uma arena de conjunções raciais entre negros, brancos e índios" que eram totalmente condenadas. Gobineau afirmava que a sociedade brasileira era inviável porque possuía uma enorme população "mestiça", produto indesejado e híbrido das "raças" que eram vistas como espécies diferenciadas.
Pressupostos das teorias racistas
- Cada raça ocupa um certo lugar na história da humanidade.
- As raças eram tomadas como espécies altamente diferenciadas no tempo e/ou no espaço. Daí a ilação de que as diferenças entre as sociedades e nações expressavam as posições biológicas de cada uma numa escala evolutiva.
- Determinismo – As diferenciações biológicas são vistas como tipos acabados e cada tipo está determinado em seu comportamento e mentalidade pelos fatores intrínsecos ao seu componente biológico. Explicitando essa visão, Gobineau afirmava que os "poderes e os instintos ou aspirações que surgem deles [povos] nunca mudam enquanto a raça permanece pura... nunca alteram a sua natureza". Assim, ele estabeleceu combinações entre INTELECTO, PROPENSÕES ANIMAIS e MANIFESTAÇÕES MORAIS para caracterizar a "natureza" das raças branca, negra e amarela, situando a primeira como o ápice da escala evolutiva. Essa teoria gerou o "arianismo" na Europa e foi prontamente aceita pelo Brasil.
Como a teoria racista se incorporou no pensamento brasileiro
É evidente que a experiência histórica é básica para a adoção das teses "racistas", mas, segundo da Matta, ela não é tudo:
- Nem todas as formas de determinismo foram aceitas para discussão no meio social, político e cultural brasileiro. O "determinismo geográfico", por exemplo, foi muito menos explorado do que o "determinismo racial". Essa escolha tem razões profundas em seu apelo explicativo para uma sociedade dividida em segmentos, cujo poder e prestígio hierarquizado correspondia, grosso modo, a diferenças de tipos físicos e origens sociais.
- O racismo à la Gobineau tinha o mérito de inaugurar uma reflexão sobre a dinâmica das "raças"; podia-se, com isso, deixar de louvar os tipos puros (sobretudo o "ariano"), passando-se a especular sobre os resultados dos "cruzamentos" entre as "raças". No Brasil não havia a necessidade de segregar o mestiço, o mulato, o índio e o negro, porque as hierarquias asseguram a superioridade do branco como grupo dominante. Cabe salientar a importância da idéia do "branqueamento", tida como uma espécie de "ascensão social" dentro da visão hierárquica brasileira.
Tal como na Índia, as camadas diferenciadas da sociedade – as castas – são vistas como complementares (cada uma com a sua função). Aqui no Brasil, o nosso racismo forneceu os elementos de uma visão semelhante, colocado no triângulo das raças quando situa o branco, o negro e o índio como formadores de um novo padrão racial.
A falta de segregação se deve à falta de valores igualitários. Negros e índios têm uma posição demarcada num sistema de relações sociais concretas que engendra os laços de patronagem, permitindo conciliar posições individuais e pessoais, com uma totalidade francamente dirigida e fortemente hierarquizada. O maior crime entre nós (num sistema hierarquizado) não está em ter alguma característica distintiva, mas em não ter relações sociais, em ser um indivíduo desgarrado, desconhecido e solitário.
POSITIVISMO – Doutrina criada por Augusto Comte (posteriormente denominada positivismo clássico) segundo a qual toda a atividade filosófica e científica deve efetuar-se somente no quadro da análise dos fatos verificados pela experiência. O domínio das coisas em si é inacessível ao espírito humano, que deve renunciara a todo a priori, limitando-se a formular leis e relações entre os fenômenos observados. O positivismo foi considerado por Comte como a base e o fundamento metodológico de uma nova ciência social, a "física social" ou "sociologia". Mais tarde foi concebido pelo próprio Comte como uma nova religião da humanidade.
No Brasil, o positivismo comteano alcançou grande expressão, principalmente pelo trabalho de Miguel Lemos e Teixeira Mendes, exercendo influência sobre diversos líderes republicanos, em especial Benjamin Constant, tanto que o lema "ordem e progresso", presente na bandeira nacional é um dos ideais do pensamento comteano.
(Grande Enciclopédia Larousse Cultural, vol. 19, pp 4736-4737, Nova Cultural)
RAIMUNDO NINA RODRIGUES, etnógrafo, criminalista, patologista e sociólogo brasileiro, nasceu em Vargem Grande/MA, no ano de 1862, e faleceu em 1906, em Paris. Considerado como um pioneiro dos estudos africanos no Brasil, estudou as atitudes psicológicas dos africanos e seus descendentes na Bahia sob um prisma nitidamente racista. Defendeu teses como a da incapacidade civil do negro, pois sua inteligência seria limitada como a das crianças. Deixou vasta bibliografia, destacando-se: O Animismo Fetichista dos Negros da Bahia (1900), de especial interesse folclórico; Os Africanos no Brasil (1932), onde tratou de aspectos religiosos e folclóricos, deixando um registro pioneiro de especial interesse histórico acerca do Quilombo dos Palmares.
(Grande Enciclopédia Larousse Cultural, vol. 21, pp. 5095-5096, Nova Cultural)
SÍLVIO VASCONCELOS DA SILVEIRA ROMERO, pensador, crítico, ensaísta e primeiro historiador sistemático da literatura brasileira, nascido em Lagarto/SE, 1851, e falecido em 1914, no Rio de Janeiro. Em Recife, ao lado de Tobias Barreto, expressou a ânsia de renovação que acompanhou a ascensão do positivismo. Membro da chamada Escola de Recife, pretendeu com sua obra uma superação do ecletismo e do positivismo. Inspirando-se sobretudo em Kant e no evolucionismo spenceriano, deu origem a um culturalismo sociológico. Em 1888, publicou Etnografia Brasileira e, em 1894, o ensaio filosófico Doutrina Contra Doutrina – o evolucionismo e o positivismo no Brasil; em 1901, escreveu Ensaios de Sociologia e Literatura e, em 1906, A América Latina.
http://lcnobeli.blogspot.com/2009/10/o-problema-do-racismo-bra